Foi dada a largada! Primeira edição no ar
A estreia da newsletter! Uma crônica de Rodrigo Casarin sobre correr e ler Clarice Lispector. Uma pista em Porto Alegre. Longevidade e maratonas.
Olá!
Esta é A vida e a corrida, uma newsletter para quem adora corridas de rua. A ideia é apresentar crônicas, entrevistas, curiosidades e também resenhas de livros e comentários sobre pistas e provas.
A estreia conta com um presente: uma crônica de Rodrigo Casarin, do Página Cinco. Também traz um relato de turistar (e correr) em Porto Alegre. Nos links, duas matérias emocionantes sobre maratonas em idades avançadas.
O projeto da newsletter é de Ana Rüsche, mas haverá sempre pessoas convidadas para darem uma palhinha, dentro desse imenso pelotão formado pelas pessoas que gostam de ler e correr.
Na ecologia do mundo, a newsletter procura cumprir a missão na Terra destinada a escritores: investigar, perguntar, destilar, emocionar. Fazer da curiosidade a cadência do passo. Fazer das perguntas a linha de chegada.
Espero que goste e agradeço por estar conosco!
Desistir é o verdadeiro instante humano
Texto de Rodrigo Casarin, do Página Cinco
Ao sair do túnel, bater o olho no relógio e parar pra pensar nos números me mostravam notei que o ritmo estava bom. Passar pelo aeroporto e perceber que pelas ruas do centro cidade o ritmo se mantinha era um sinal ainda melhor. Treinara esperando um calor inclemente logo pela manhã. A temperatura amena e a garoa bem fininha foram camaradas.
Antes de chegar no hotel parei para comer um pedaço de pizza e tomar uma caneca de cerveja. A corrida sempre foi um contrapeso ao que aprecio à mesa. Depois da pandemia, voltava a esculachar sabendo que os quilômetros rodados toda semana me liberavam para pratos a mais, copos a mais, taças a mais.
Comentei com a minha esposa: a prova merecia mais lentidão, isso sim. O percurso pela orla do Rio de Janeiro era bonito demais para se fazer com pressa. Em todo caso, estava satisfeito. Um cochilo me deixaria pronto para a feijoada.
No resto do ano, uma prova de 10km só para correr pelo estádio do Morumbi. Outra de 15km para enfim poder dizer que corri a São Silvestre. Serviram para firmar na cabeça a meta para 2023.
Nunca fui um corredor veloz. Na meia-maratona mais morosa da vida, levei quase duas horas e meia para completar os 21km. Certa dedicação e treinos frequentes ajudam pra caramba. Fechar a meia do Rio em agosto de 2022 abaixo de duas horas e três minutos me permitia sonhar. Razoável pensar em fazer a distância abaixo de duas horas em algum momento de 2024.
Sabia que não seria na meia-maratona em Itaquera, na zona leste de São Paulo. Fevereiro é quente, ainda pagamos pela esbórnia de final de ano e no percurso entre templos e igrejas uma subida parecia ser seguida por outra subida.
Nunca foi tão grande a vontade de parar quanto num retorno ali pelo quilômetro 15. Caras de desespero ao redor confirmavam que não era o único a sofrer por aquelas ruas. Terminar em pouco mais de duas horas e quatro minutos soou como vitória.
Tempo razoável naquele martírio indicava pernas e pulmões razoavelmente domados para tentar o Sub-2 num percurso mais plano, numa época mais fresca e sem o corpo brigar com cachaças e churrascos do começo do ano. Era olhar para o calendário e constatar que boas oportunidades não faltariam. Ia dar certo.
Ia.
Num sábado de março, uma semana antes de outra meia-maratona, descobri: o incômodo que às vezes sentia na perna direita era mais do que uma dorzinha chata. Um esbarrão banal no futebol, um leve tranco para roubarem a bola de mim, um jogo de corpo inofensivo, que não faria mal a uma velhinha na rua. Com o auxílio da chuteira cravada no gramado, foi o suficiente para escancarar a raiz daquele leve dolorido.
Não houve estalo, grito, gente rolando pelo chão. Mas de imediato tive a sensação de que o joelho inchou. Soava estranho, um pouco febril. O atacante não fez nada com a bola roubada e logo na sequência trotei até o meio de campo para acertar a linha de impedimento. Seguia estranho. Menos de um minuto depois, bola virada para a direita do ataque adversário. Tentei correr para acompanhar a jogada. O joelho virara um motor fundido. Sentia a lataria se debatendo no meio da minha perna.
Ruptura parcial do ligamento colateral medial do joelho direito. Dois meses de fisioterapia. Três meses sem exercícios físicos. Fortalecimento obrigatório. Na volta, pegar leve. Nem precisava avisar.
“Correr? Só se deve correr por absoluta necessidade, porque a nossa vida corre perigo ou porque estamos atrasados. […] Correr? Jesus nosso Senhor não foi a correr para Jerusalém. Foi em cima de um burro”.
Encontro esse fragmento de Princípio de Karenina, de Afonso Cruz, quase oito meses após a lesão. Dou risada. Já estou liberado para correr. Na verdade, faz tempo que comecei a fazer academia, voltei para o futebol de campo, para o futebol society, para o vôlei de areia. Arrumei ainda um vôlei de quadra para jogar.
Mas correr está difícil, muito difícil. As pernas não respondem, o pulmão se acomoda, a cabeça fraqueja. Não são poucas as vezes em que minha citação favorita de Clarice me espreita. “Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano”. Está lá em A Paixão Segundo G. H..
Hoje é um dos dias mais quentes do ano em São Paulo. Passamos por mais uma onda estúpida de calor. São 15 horas e 33 minutos, faz 40 graus. Daqui duas horas sairei para correr. Nova meta para 2023: voltar a fazer 5 km num ritmo razoável.
***
Rodrigo Casarin é jornalista. Desde 2015 edita no UOL a coluna de livros Página Cinco, que hoje se desdobra num podcast e numa newsletter. É autor de A Biblioteca no Fim do Túnel: Um Leitor em Seu Tempo, livro publicado em 2023 pela Arquipélago.
🕺🏻 Na pista: turistar e correr em Porto Alegre
Estive em Porto Alegre para a Odisseia de Literatura Fantástica em outubro, cidade que visitei muitas vezes. Reencontrei grandes amizades e o tênis estava na mala.
Com o término da pandemia, muitas cidades parecem novas e essa sensação surgiu ali na minha estadia na capital gaúcha. Ao chegar numa cidade nova, minha maior pergunta ao Google sempre é: onde correr?
Li muitos sites, conferi Google Maps e resolvi dar uma chance à pista que fica perto do Gasômetro, na orla do Guaíba. Acertei. Um grande amigo foi comigo e que coisa linda é poder correr e assistir ao pôr-do-sol.
As águas estavam altas, lambendo a pista nalguns trechos, efeito das últimas chuvas. Descobri que muita gente preferia correr na parte de cima, ladeando a avenida, em lugar de dar as passadas no parque que acompanha as margens.
O treino foi bonito, nem faltaram os quero-quero, aves onipresentes nos lugares em que treino em São Paulo, com seus olhos vermelhos e sua postura tão fofa quanto belicosa. De curioso, encontramos um quiosque com gente muito querida atendendo, com água quente grátis. Espero voltar!
Leia mais sobre onde correr em Porto Alegre no Corrida Perfeita
Inspirações: dois relatos sobre longevidade
Na seleção de links, separei duas matérias que me emocionaram muito a respeito sobre o prazer de correr e a longevidade: sobre o corredor Pio Espedito de Castro e sobre meu herói particular, Drauzio Varella.
Aos 82 anos, Pio foi 'campeão' nos 42 km e quer chegar aos 100 correndo, matéria de Bárbara Therrie, colaboração para VivaBem
Vídeo: Drauzio Varella conta como foi correr a Maratona de Londres em 2022
Com paixão e sem correria
Para escrever esta primeira newsletter foram necessárias muitas idas e vindas de e-mails, conversas com amigos, pesquisas sobre outros sites e blogs voltados à corrida de rua, decisões sobre editorial, muitos esquemas em papel amassados e playlists aleatórias.
Dessa forma, considere:
👟 Encaminhar essa edição para seu grupo de corrida!
👟 Deixar um comentário, contando se passou pelo verdadeiro instante humano da desistência ou ainda se você corre em Porto Alegre.
👟 Contar qual seu pior-melhor treino na vida, tenho uma anedota para compartilhar na próxima edição.
Quem faz A vida e a corrida?
Sou Ana Rüsche, escritora e pesquisadora, entusiasta de corridas de rua. Publiquei muitos livros de poesia, romances e meu livro A telepatia são os outros (Monomito, 2019) foi finalista do Jabuti.
Faço pesquisa de pós-doutorado sobre ficção científica e mudança climática no depto. de Teoria Literária e Comparada na Universidade de São Paulo (USP). Se você possui interesse pelo tema, participe de minha atividade de divulgação científica: Filamentos, uma conversa mensal sobre livros de ficção e não ficção, organização da editora Bandeirola. Participe!
Se você gosta de literatura
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Muito obrigada pela leitura!
Meu carinho e meu afeto,
que as nossas passadas nos levem adiante. 🧡
Amei o formato, a crônica do Rodrigo, amei! Vida longa e feliz
eu tô super empolgada com 2024 e as expectativas de voltar a fazer 10k com tranquilidade. essa newsletter vai estimular mais ainda!
adorei a crônica do Casarin. ansiosa para as próximas.
boa corrida!